Envelhecer requer coragem. Para muitos, é como se tornar um estrangeiro dentro do próprio país.
Lembro-me de uma vez que conversei com um senhor sentado em um ponto de ônibus na Marquês de Abrantes, no Flamengo (Rio de Janeiro) e ele me contou que ali na rua passava o bonde. Eu bem desconfiava, pois quando o asfalto desgastava a gente conseguia identificar o ferro do trilho.
Ele parecia melancólico, como se não reconhecesse o lugar onde vive.
Bonde 9 passa na Praia do Flamengo vindo da General Polidoro (1957)
Outra feita, numa praça de Niterói, estava distraído e cantarolava Malandrinha, de Altemar Dutra, uma canção de 1927. E uma senhora, com os olhos enluarados, me disse: "uma música antiga, né, moço". E me revelou que o homem com quem se casara - já falecido - cantava essa canção para ela sentado no muro do colégio Pedro II quando eram adolescentes. Ela agradeceu. Nunca mais ouvira, nem mesmo nas rádios tradicionais, as canções de sua juventude.
Penso naquelas cidades europeias que permanecem iguais há séculos e como deve ser bom viver lá e reconhecer o lugar onde nasceu mesmo com o passar dos anos. A identidade de uma pessoa também está relacionada à cultura e ao local onde vive. Mudar é bom! Se transformar é fundamental. Mas percebo que o "novo mundo" é às vezes um lugar difícil para os velhos, principalmente por causa do sórdido descaso com o patrimônio subjetivo e memorial que partilharam na juventude.
Joao Pedro Roriz Psicanalista, escritor e educador.
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