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Entrevista com Rubermária Sperandio

Atualizado: 27 de jun. de 2020



Mestre em Mídia, Política e Cultura pela UFMT, a jornalista e escritora Rubermária Sperandio lança seu primeiro livro poético com temática feminista, intitulado "Matrioskas" (Desdobra). Dona de uma literatura orgânica e destituída de tabus, Rúbia, como gosta de ser chamada, faz um convite à reflexão sobre a participação da mulher na vida política e cotidiana, produz retratos quentes sobre a religião e a moralidade - partícipes da corrente de manutenção do chamado "machismo estrutural".


Nessa breve conversa, falou sobre as conquistas que vem alcançando na área literária e o papel de convergência de sua obra com os espaços sociais que frequenta no Rio de Janeiro, onde vive, e no estado do Mato Grosso, onde nasceu e estudou. Falou também sobre poesia, arquétipos sociais e diligências na produção de "Matrioskas", que possui prefácio da também feminista e escritora Clara Averbuck e fortuna crítica e edição de João Pedro Roriz.



1 - Quando surgiu a ideia do título "Matrioskas"?


Desde o inicio, já havia o poema Matrioska. Depois de eu e meu editor realizarmos a primeira seleção dos poemas - que foram escritos aleatoriamente -, percebemos que os vários temas giravam em torno desse poema. Matrioskas era a personagem principal, daí o título.


2 - A mulher é representada em seu livro pela metáfora de um objeto quebrável, divisível, porém fértil dentro de uma sociedade que muitas vezes a coloca como enfeite. Quando foi que a autora se sentiu assim?


Desde que me entendi como mulher, comecei me sentir vulnerável. Parecia que eu tinha que assimilar coisas estranhas a mim, e eu tinha que querê-las. E para merecê-las tinha que ser bonita, magra, cabelos lisos, de preferência louros, andar na moda e ser alegre, como sugere o conto de “Bernice Corta o Cabelo” de Fitzgerald. Ainda bem que o mundo muda. Estamos entendendo que cada grãozinho brotado em nós vai germinar de um jeito diferente. Os movimentos feministas e LGBTs são exemplos de respostas a essa nova compreensão. O poema “Mãe do céu” fala disso, o sonho de um lugar onde cada um possa ser, na sua individualidade, o que quiser ser. Apesar das altas temperaturas, acredito que um novo mundo esta sendo fertilizado.


3 - O livro possui passagens políticas gritantes, mas disfarçadas em momentos cotidianos. Você é uma pessoa política? Como são suas conversas sobre política com seus amigos e parentes?


Aristóteles disse que “o homem é um animal politico” e, segundo Brecht, nem mesmo aquele que “estufa o peito e diz que odeia politica” escapa. Enfim, “tudo é politica”, reitera Gramsci. Qualquer decisão, por mínima que seja, ou omissão, produz um efeito na sociedade, é política. Mesmo sem saber, até as crianças fazem política. Mais conscientemente, comecei a participar da vida política na adolescência. Minha família sempre foi muito ativa na política. Meu pai foi um politico muito atuante no interior de Mato Grosso. Participei ativamente da vida política na Capital durante muitos anos. Tenho amigos muito diferentes uns dos outros. Quando falo com eles, tento agir desta maneira, “Você tem o direito de dizer o que pensa, mas não sou obrigada a concordar, e vice-versa”. Isto não elimina conflitos, mas acredito que seja a tentativa de civilização mais profícua. Quando a comunicação se esgota, começa os ruídos, inicia a guerra.



4 - Matrioskas é seu primeiro livro. Logo uma obra poética. Sua legenda é "escritora". Como não confundir com outras legendas, como "poeta" ou "feminista"?


A distinção “escritora” é universal, dentro dela cabe a contista que também sou. Mas tem romances, cartas que são verdadeiras obras poéticas. O que é a “Ilíada”? A distinção de gêneros, embora necessária para alguns teóricos, sempre foi muito abstrata, segundo Todorov. Como obra humana, está em constante mutação. Na década de 70, em seu livro “Introdução à Literatura Fantástica”, comenta (discordando) sobre um possível abandono da divisão de gênero. Para ele, “as distinções atuais já não correspondem às noções legadas pelas teorias literárias do passado”. Novas categorias teriam que ser elaboradas para ser aplicadas às obras atuais. Sem isso, a obra corre o risco de perder o elo que a relaciona com o universo da literatura. Obviamente que não estou suspendendo aqui a divisa do meu livro, é um livro de poemas.


5 - O quanto um livro se compara a uma criança, um filho?


Quando eu fiquei grávida da minha filha, eu ia regularmente ao médico, vestia roupas confortáveis, acariciava a barriga, falava com ela, trocava ideias sobre maternidade com outras mulheres... Quando eu engravidei da Matrioskas, eu ia às livrarias, observava a escrita de poetas diversos, escrevia, apagava, trocava ideias com escritores... Tudo isto para que minha filha nascesse perfeita. Obviamente, nenhuma delas é perfeita, mas elas são resultado do meu máximo emprenho para coloca-las no mundo.


6 - O feminismo está em alta, apesar das perseguições políticas ao tema. Essas perseguições possuem, em algum plano, um lado positivo?


Então, porque alguém persegue alguém? Em principio, porque está se sentindo ameaçado. Eu diria que os machões estão com medo. E se estão com medo, é porque veem em nós um potencial capaz de sobrepor suas ideias de mundo. Neste sentido, é positivo, significa que estamos no caminho certo. Mas, é claro, a reação truculenta deles, principalmente, se ela conta com a força de uma autoridade máxima, inibe muita gente, cansa e mina muitas ações. Contudo, acho que perseguir, matar mulheres num momento como hoje, onde as informações correm muito rápido, é dar tiro no pé, estão dando mais razões para o que estamos fazendo. Mesmo aquelas mulheres machistas, que ainda não estão muito de acordo consigo mesmas, vão acabar nos escutando. Nós mulheres somos de vênus, a gente conversa, troca ideias. Ao contrário, de uma arma de fogo, isto é muito fértil.


7 - O que você já deixou de fazer apenas pelo fato de ser mulher?


Sempre fui meio rebelde. Sempre foi difícil para mim, pensar de um jeito e dizer, ou fazer, de outro. Mas, quando era mais jovem, deixei de fazer muitas coisas “porque mulher não pode fazer isto”. Também fiz muito coisa “porque mulher deve fazer assim”. A pressão do meio é muito forte, ameaçadora.


8 - Como você acha que a maioria dos homens receberá sua obra?


Muitos homens não vão gostar pelo mesmo motivo que muitas mulheres também não vão gostar. Mas não acho que seja agressivo, não ataco ninguém. Se alguém não gostar, seja por qual motivo for, espero que respeite meu jeito de fazer do jeito que eu sou. Quão evoluído o mundo não seria se cada um pudesse falar realmente o que pensam. Quantas ideias diferentes teríamos! Quantas delas não seria a solução para velhos problemas.


9 - Quais são suas maiores ambições na literatura hoje?


Minha maior ambição é me comunicar com as pessoas, humanamente. Seria muito bom poder viver disso, mas sem jamais sacrificar minhas ideias.


10 - Quais são seus maiores medos como mulher, escritora, feminista e poeta?


Eu só tenho um medo, morrer antes de concluir o que eu quero fazer.



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