31 de dezembro é um dia mítico. Para muitos, representa o fim de um período e o começo de outro. De fato, a divisão do tempo é uma das maiores invenções humanas. Contar o tempo, dividi-lo em segundos, minutos, horas, é uma forma de organizar a produção. Essa organização possibilita a rotina e nos dá sensação de segurança. É muito bom saber o que vamos fazer no dia seguinte. Da mesma forma, quando mal aproveitado, o tempo escraviza e causa desacordos, desencontros. Os relógios do universo nem sempre estão em acordo com nossos relógios biológicos. A forma como interpretamos o tempo também é diferente, o que nos leva a compreender o sentido da existência e mesmo nossas limitações físicas de forma subjetiva e individualizada.
Sob a égide do sistema capitalista, o tempo transformou-se em moeda. Vendemos nosso tempo para termos subsídios que nos permitem sobreviver. É nesse ponto que a conquista do tempo se torna tão fundamental. Como ganhar tempo e o que fazer com o tempo que temos? Essas são perguntas que fazemos desde a infância.
Jornal O Globo reclama que o ano não termina. Efeito astrológico?
Ao dividirmos o tempo, conseguimos melhorar a analise sobre as conquistas que alcançamos em determinado período. O ano é dividido em 12 meses. Não representa exatamente a evolução da terra em torno do sol, mas a contagem é aproximada. Não é a toa que, em 2016, um segundo a mais será contabilizado nos relógios atômicos de todo o mundo. "Um ano que não se acaba", estampa o jornal O GLOBO do dia 30 de dezembro de 2016. O veículo demonstra a insatisfação dos brasileiros com o período. Foi um ano de tragédias, como o acidente com o avião da Chapecoense, de mortes de artistas famosos, de crise financeira, de antagonismos, extremismos, descrédito, de crise institucional, de desemprego e de bagunça política. Mas deveria o ano de 2016 ser tratado como um elemento vivo digno de nossa desaprovação? O ano teria nos feito mal? Essas forças maléficas estavam escritas nas estrelas? A astrologia diz que sim. A ciência, diz que não. A astrologia é mitológica. Sabemos que todo mito tem alguma força filosófica e deve ser respeitada. A consciência filosófica possui o mesmo grau de dignidade que a ciência. Mas ainda assim, não deixa de ser mito, portanto não busca a verdade, apenas a descreve fatos da natureza com o imaginário popular.
Segundo a crença popular, quando um ano termina, fecha-se um ciclo imaginário. A sensação é a de que passaremos por uma fenda onde a esperança se renova. A imagem mítica é tão forte que quando criança, tentava ficar acordado para ver o raiar do primeiro dia de ano-novo. Em minha visão criativa e filosófica, pensava que uma senhora, dona do tempo, atravessaria os céus atirando pequenas pétalas de flores retiradas de um balaio. Em sua saia, o tecido que compunha um novo tempo. Até os seis anos nunca consegui permanecer acordado para ver o fenômeno que compunha o raiar desse dia mágico, o que me deixava muito frustrado no dia seguinte. Hoje, adulto, acredito que minha mente registrara, ainda em tênue idade, a imagem do papel picado que as pessoas atiravam pela janela no dia de ano-novo. Seriam essas as pétalas de flores que choviam sobre nós quando finalmente atravessávamos mais uma fronteira diante do desconhecido?
São muitas os rituais mitológicos para trazer boa sorte para o ano que principia: pular sete ondas, usar roupas com cores neutras, pisar com o pé direito, etc. Comemoramos sim a passagem do ano com a família e essa é a melhor parte. Comemoramos porque estamos felizes em terminar o ano unidos. É importante renovamos contratos de amizade e união para o ano que principia. Lembramos com saudades daqueles que partiram e renovamos a fé; brincamos, rimos, contamos histórias. A fraternidade sempre precisa ser comemorada. O esforço de um ano bem vivido, o trabalho realizado, as superações também precisam ser apreciadas. Olhar para trás e analisar o tempo que passou, sem se prender ao pretérito, é uma das maiores certezas de que o tempo se faz no presente, no aqui e agora, na presença que marca o tempo de cada um de nós. Feliz ano-novo!
João Pedro Roriz é escritor, jornalista e arte-educador.