A BUSCA PELA FORMA
O simples é o último nível de sofisticação. O artista plástico norte-americano Nathan Sawaya se deu conta de que seu lazer poderia se transformar em sua principal atividade profissional. Estudante de Direito, estava cansado das acachapantes horas de trabalho. Seu hobby era fazer grandes esculturas com pecinhas de Lego nas horas vagas. Foi assim que percebeu que possuía um dom raro.
As pecinhas eram quadradas, mas a cabeça do artista não. Tomou a iniciativa de conduzir-se para fora da concha que prometia protegê-lo das intempéries da natureza, mas que de fato, o sufocava e lançou uma carreira considerada por muitos, improvável: a de escultor de Legos.
Sua exposição “The art of the brick” ganhou tournée mundial, com passagens por São Paulo e Rio de Janeiro. Além de demonstrar talento genuíno na criação de estátuas tridimensionais gigantescas com Lego, o artista se destacou pela mensagem. Sawaya mostra que é possível seguir a música que está no coração. E talvez dessa forma, num mundo cada vez mais individualizado, assumir a própria natureza, seja a única forma de alcançar a felicidade.
As pessoas vão a essa exposição de Legos atraídas pela forma. Mas, ao admirar as estátuas não conseguem ficar indiferentes à mensagem. Neste sentido, The art of the brick transforma-se em uma luta entre a forma e a fôrma, entre a semântica e a subjetividade. É possível perceber o entusiasmo de alguns visitantes mais atentos. O autor se aproveita da ingenuidade dos pais, que levam seus filhos para um programa de família divertido, para entrega-lhes algo ainda maior: uma lição de semiologia. As peças esculturais de Sawaya precisam ser traduzidas. Neste sentido, o artista ultrapassa o limite da formatação. As pecinhas de Lego deixam de ser quadradas e ganham vida.
É preciso observar por vários minutos cada peça, pois a mensagem é subliminar e de certo modo metalinguística. O extravasamento da forma, o embelezamento da fôrma. Ali, em cada estrutura, tem certo quê de curiosidade e de indagação. As peças de Lego ganham significado e certa aura de poesia neoconcretista. Ao lado de cada estrutura, uma breve explicação sobre as motivações do autor. É nesse momento que o autor erra, pois sua aventura se torna didática. Parece que o autor não consegue confiar na inteligência de seu próprio público. Compreensível.
As pessoas se espremem para tirar selfs com as estruturas e se perdem um pouco ao longo do “passeio”. É preciso fazer um registro fotográfico, mostrar para a comunidade virtual a importância do momento. O tempo é curto. As crianças querem apenas ver as aberrações. Contam as peças de Lego que compõem a imensa estrutura que dá origem a um dinossauro. Mas será que aquela é de fato a estrutura mais importante da coleção? Elas não querem saber. São 18 mil, 25 mil pecinhas! E os pais sorriem confortados pelo belo passeio de fim-de-semana. Param abestalhados diante da escultura e indagam, com suas pochetes na cintura: como é que ele consegue fazer isso? Não é ambiente para pensar, para transformar, para criticar, para se possuir, para ensinar e sim, para se divertir. Nesse momento, as peças de Lego retomam seus aspectos quadrados, estereotipados. Voltam a ser curiosidades exóticas, entretenimento sem significação. O sorriso forçado do visitante para sair na foto, o melhor ângulo, a foto quadrada, o melhor lado. E as peças, que nasceram quadradas e, por ordem de um destino, pelas mãos de um artista, se tornaram redondas, voltam a ser apenas objeto puramente concreto – fruto de uma campanha de marketing que pretende vender quebra-cabeça.
A verdade é que Nathan Sawaya comunicou-se com seu público. Esteve no meio de dois tornados: o comercial e o artístico. E se saiu muito bem. Mostrou que é possível (e provável) ser artista no século XXI, mesmo em uma época em que as pessoas estão se dando conta de que não há democracia e sim, uma oligarquia, um poder central financeiro no controle das ações do governo, no controle da mídia e na condução das mudanças climáticas. Sawaya enganou a todos com estilo. Resumiu bem Walter Benjamin ao expor as maquinações da indústria cultural para alcançar êxitos financeiros junto às massas. Fez provar que Mcluhan estava correto quando disse que “o meio é a mensagem” e ainda acrescentou certo aspecto filosófico: demonstrou que o receptor é, de fato, coautor de uma obra artística, desde que, claro, esteja disposto a deixar sua concha.
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João Pedro Roriz é jornalista e escritor
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