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Crônica - Nunca mexa com um psicanalista na rua

Atualizado: 31 de ago. de 2020




Um conselho. Nunca mexa com um psicanalista na rua.

Meu vizinho bolsonarista finalmente venceu e timidez e, de dentro do seu carro, me chamou de frutinha. Ignorei. Ele me ameaçou. Disse que me daria umas porradas se me visse andando na rua de novo. Foi aí que me estressei: - Vamos parar com a sedução e partir logo para a ação? Que tal tu e eu, só nos dois, no mano a mano? Meus amigos que estavam comigo ficaram como: - Irmããão, cê tá louco, cê vai morrer! O motorista agressivo sorriu e colocou o braço avantajado na janela. Botei o pé no capô do carro do cara e expliquei para meus amigos a situação: - Esse senhor me paquera como costumávamos fazer com as mulheres na época de solteiro. O objetivo é o mesmo: mostrar nossos talentos físicos para, no final das contas, conseguir um rala e rola com o objeto amado e, dessa forma, buscar uma sensação de prazer que nos ajude a preencher o nosso triste e eterno vazio existencial. O bolsonarista reagiu, excitado: - Tá louco, mano? Quero é te enfiar a mão! - Percebi. Pelo visto, você sofre de transtorno de despersonificação psicótica, resultante de excessivo intercâmbio de identificações projetivas e introjetivas. É possível que ainda sofra pela ausência do seio da mãe, ou tema a castração por parte do pai. - O quê? - Sua mãe te amamentou? - Não. Fui criado por minha avó. - Interessante. Tem raiva do seio mau. Sua comunicação primitiva se dá quando, por demais regredido, não consegue verbalizar sua angústia, o que Bion chamou de "terror sem nome". Seu pai, alguma vez, disse que se você "não fosse bonzinho" ia cortar teu pênis e colocar na panela para temperar o feijão? - Não. Mas meu avô dizia que se eu agisse como menina, eu teria que perder o peru igual a elas. - Eureca! E agora, caça pênis pelas ruas. Meus parabéns, amigo. Você concluiu a primeira sessão. Me procure amanhã em meu consultório para darmos continuidade à sua terapia. - Mas e a nossa porrada? - Já fizemos. Você levou um pau! Parabéns. Toma aqui o meu cartão.


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João Pedro de Sá Roriz (Niterói, 1982) é um escritor brasileiro. Autor de diversas obras, conhecido por seus livros juvenis paradidáticos. Com múltiplas formações, é também dramaturgo, ator, jornalista, historiador, professor, psicopedagogo e psicanalista clínico.

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