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Crítica - Sobre arte, sobre poesia (uma luz do chão), de Ferreira Gullar.

Atualizado: 20 de nov. de 2019


UM REFERENCIAL ARTÍSTICO ELEGANTE E DE QUALIDADE

Gullar, o amigo poeta que se foi ano passado e deixou muitas saudades sempre escreveu com paixão. Em seu ensaio de 2011, "Sobre arte, sobre poesia (uma luz do chão)", publicado pela José Olympio Editor, não deixa por menos. Fala com propriedade sobre poesia e arte, principalmente ao expor seu pensamento político e filosófico sobre o tema.

O livro é referencial para quem tem paixão ou trabalha com o tema. O momento em que mais surpreende é quando aborda o interesse do Estado pela apropriação do elemento subjetivo do artista - que vive a dicotomia de ter que sobreviver e ao mesmo tempo rebelar-se. Neste sentido, o poeta traça um panorama negativo sobre o conceito de artes plásticas, sua inserção no mundo e tenta, de forma corajosa e diria até pioneira, esclarecer referências ocultas sobre uma arte tão inefável abalizando o pepel do crítico e criando uma legalidade, um ponto de partida para a análise.

Ao mesmo tempo que faz isso, se consome por ter que fazê-lo entendendo que arte é maior do que meros senões. Interessante a humildade e humanidade indefectível do poeta alçado como mito intelectual brasileiro no século XX. Morreu, sabemos, nos braços imortais e dourados da ABL, mas sofrendo na forja do relativismo artístico, crítico e político que desencadeia certa crise institucional mundo a fora - talvez um dos adventos negativos das novas mídias.

O poeta também fala sobre literatura, expõe a diferença entre poema e improviso, suas convicções sobre beleza, a relação entre a crítica qualitativa e a resenha - fenômenos modernos que hoje se misturam e condicionam o expectador, o leitor, o amante das artes em uma visão naturalista sobre eventos desnorteados e até mesmo pouco crível sobre o que é de fato o papel da arte no universo contemporâneo. Neste momento, sua abordagem política, sempre ranzinza sobre as querelas da ignorância oportunizam momentos de reflexão e até humor - sim, pois nem tudo pode ser levado neste livro a ponta de faca. Como o próprio Gullar disse uma vez: "é melhor não tem razão sempre".

De todo modo, este é um livro que marca a presença de Ferreira no espaço da crítica e do ensaio, com linguagem universalmente capaz de se comunicar com todas as classes e idades, com uma presunção presumível de quem viveu muitas vidas em uma única encarnação e, que paradoxalmente, traz uma humildade capaz de, a todo instante, nos fazer pensar que, sim, ele pode estar errado. Pois democracia no saber é isso: é a capacidade de um mestre se relacionar com seu aluno e faze-lo pensar, não ensinar. Pois ninguém ensina nada a ninguém. Mas às vezes, até aprende. Boa leitura!

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João Pedro Roriz é escritor, jornalista, ator e professor de história.

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