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Foto do escritorJoão Pedro Roriz

Crítica. Livro "Inverossímil", de Rodrigo Rosp

Atualizado: 13 de dez. de 2019


ENTRELINHAS QUE DISCURSAM SOBRE O PODER E O DESEJO

Um bom motivo para morar em Porto Alegre: as grandes livrarias vendem livros de autores gaúchos. É uma característica que nenhuma Saraiva, Nobel, Cameron ou Cultura possui fora do Rio Grande do Sul.

Vou diariamente às livrarias ver as novidades. Inverossímil, de Rodrigo Rosp pulou da prateleira e acabou passando na frente da minha lista de leitura. A obra publicada pela Não Editora é um pequeno dicionário de pieguices. Mistura erotismo com técnicas narrativas em uma novela rápida e diminuta. Conta a história de uma jovem estudante de letras que troca mensagens íntimas com seu professor. Dá pra imaginar o resto. O professor casado escreve um livro sobre seu affair com a jovem aluna e se locupleta de seus desejos juvenis, de sua inexperiência literária e claro, de sua vulnerabilidade. O paralelo entre o professor intelectual imaturo – artista no ponto cego da existência; e uma cocota desprestigiada, cheia de lugares comuns e erros ortográficos atrai o leitor por três motivos: pelo conflito (uma obrigatoriedade midiática, assim como esses parênteses), pelo argumento político contextual e pelo discurso.

Não é fácil ser piegas. Errar propositalmente é uma falácia. Rosp passeia na beirada do abismo, zomba da própria mediocridade e se apresenta num número de equilibrista entre dois prédios sobre a corda bamba. Editor de ideias, ainda é um dos poucos que aceita não saber tudo – dedica-se aos novos egos; intimida o mundo dos enlatados com hortaliças frescas – essas que atraem um tipo de consumidor que não se contenta com uma vida imposta; dá asas aos sonhos de construção, mas gosta de ser imperfeito como o mundo.

Inverossímil não tem gosto bom, mas é ótimo para a saúde. É como comida macrobiótica, difícil de engolir, ótimo de digerir. Entenda: o mercado literário está cheio de obras que apontam caminhos seguros e que deflagram, logo na capa, um ponto de identidade com o público-leitor. Esse modelinho de autodefesa de qualquer escritor já está mais do que manjado. Pode ser detectado por radares há milhares de quilômetros de distância. Rosp brinca com a dialética entre o bem e o mal de sua própria literatura e expõe visões negativas e positivas nos dois lados. Sexualidade, intelectualidade, imaturidade e tinta guache. Parece um vinho caro. Desses que você odeia gostando. Participar da brincadeira é o grande barato de Inverossímil e, quem sabe, matar algumas charadas sobre a verdadeira personalidade do protagonista e de seu autor.

O escritor e editor Rodrigo Rosp

O argumento do livro convence pelos detalhes. A barba, elemento fálico do protagonista serve como símbolo de uma agressividade masculina mal articulada frente às mudanças políticas e sociais. O poder exercido pelo protagonista para se tornar cativo de sua própria existência, a busca pelo sentido da vida e os clichês de boteco esgotam as linhas críticas do leitor até um estágio de total imersão na história. É como assistir pegadinhas no domingo à tarde. Não há mais ponto de conexão do leitor com a história. São apenas ficção e extravagâncias. Comove-nos no movimento simplista, pois nos mostra uma verdade incontestável sobre a vida: não estamos preparados para ela.

Atente-se: Rosp usa metalinguagens na obra. Ele pode. Outro autor teria o livro recusado pela editora se utilizasse os mesmos canais. “Essa obra não vende”, é o bordão de qualquer editor. “É muito cult”, ou “é surreal” ou... “Inverossímil”! A obra de Rosp é autêntica, mas alienante. Está focada no público universitário: é cheia de hormônios e lições sobre narrativas e estilos linguísticos. Pode até parecer um cartão de visita da editora. Mas não é. Soa mais como uma extrapolação da filosofia editorial da Não Editora/Dublinense. É como um vestido de passarela que não pode ser usado no dia-a-dia, mas que orienta as novas tendências de moda que serão um dia apresentadas nas prateleiras das grandes lojas de varejo. No contexto de futilidades do mundo da moda, todo bom estilista dá nome a novas configurações usuais – por mais “inverossímeis” que sejam. Alguns autores também possuem esse talento. Eles chamam a atenção, pois apresentam sua obra em paralelo com suas ações. E para isso, precisam ser dominadores, excêntricos, até soberbos.

O livro de Rosp possui linhas subjetivas que unem protagonista e autor, leitor e crueldade. A despeito de qualquer função do texto, mora na condição de supremacia da literatura de um bom autor o tipo de mensagem, a proposta e o objetivo. Na obra de Rodrigo Rosp é possível observar a defesa do interesse físico e emocional do indivíduo perante o complexo social, a divergência política das classes frente às iniquidades do capitalismo, a manutenção das instituições e da tradição frente às tempestades causadas pelos novos comportamentos, o diálogo entre a literatura e os meios de comunicação digitais e o papel do artista no século XXI. Essas discussões pulsam nos intervalos entre as páginas. E não podem ser descritos, afinal, a verdade não cabe em uma postagem do twitter.

João Pedro Roriz é escritor e jornalista.

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