Artigo para jornal Brasília em Dia.
Desde muito jovem, sempre fui muito apegado aos livros. Por isso mesmo, sempre estranhava quando meus professores diziam que “ler é uma delícia”.
Minha geração sofreu com a falta de informação de pais e professores. Perguntávamos: “por que tenho que ler esse livro?” e ouvíamos: “Para não ficar burro”. Era uma resposta burra para uma pergunta inteligente. Da mesma forma, ao tomar uma vacina, indagávamos: “a injeção vai doer?”. E ouvíamos: “Não, vai ser só uma picadinha”. Na hora, a injeção doía e a gente chorava. Isso se reflete no tipo de pais que somos hoje.
Os jovens de hoje têm pais que dizem que a injeção vai doer sim, mas que trará benefícios a curto, médio e longos prazos. O incentivo à leitura deve seguir o mesmo exemplo. Os adultos precisam informar que ler é difícil, mas que traz benefícios e que, por isso, se torna uma prática obrigatória.
Em minha palestra dramatizada “Para gostar de ler”, que realizo em escolas e eventos em todo o País, busco apresentar às crianças e aos adolescentes os resultados práticos e imediatos da leitura. Sim, é um público que não gosta de “perder tempo”, que não gosta de ser enganado e que prefere ouvir a verdade sobre o mundo em que vive.
A prática da leitura não tem nada a ver com o ato maquinal de decodificar símbolos. Saber disso é imperioso na hora de cativar o jovem leitor. O ato de ler é um exercício complexo que resulta na combustão de células no nosso corpo e exige uma readaptação do sistema nervoso diante das situações que incomuns. A isso chamamos “neuroplasticidade”. A diferença entre “hábito de leitura” e “prazer pela leitura” reside no tipo de resultado. Enquanto “Hábito” é referente à prática transformada em necessidade, o “prazer” é o resultado de estímulos cerebrais após a prática. O fato é que os dois resultados não estão sempre associados. Mesmo sendo habitual, a prática da leitura poderá não ser prazerosa. E o prazer que a leitura proporciona pode não residir no ato de ler, mas no aprendizado que essa leitura proporciona, na identificação com um personagem, um autor ou um tema; no processo de escolha do livro, na ocupação do tempo ou na conquista de um status.
Existe na filosofia um conceito de célula divina que sugere que todos nós somos parte de um todo. Esse “todo” poderia ser chamado de obra divina. Assim como Deus, seriamos também criadores da realidade ao nosso redor, pois transformamos o mundo em que vivemos. Se pudéssemos entrar em nossos próprios subconscientes, perceberíamos que todos os personagens que habitam nossas memórias são, na verdade, parte de nós mesmos. Seríamos então ególatras por natureza, ensimesmados em ideias e imagens que não passam de reflexos de nossa própria luz.
A prática da leitura não foge a esse paradigma. Tudo que vemos perpassa pela interpretação individual limitada pelas ideias que temos sobre o mundo. Dessa forma, lemos e relemos o nosso mundo em quase todas as obras que apreciamos. E é por esse motivo que nos transformamos em coautores dos textos que consumimos, assim como somos coautores de Deus na natureza.
A beleza que reside no ato da leitura está justamente na possibilidade de criarmos uma exceção: confiar no próximo, sair de dentro de si, caminhar por lugares desconhecidos – alguns que parecem alamedas arborizadas e outros que se parecem pântanos de difíceis acessos. Muitos terão medo de se perder nesses caminhos. Outros, de tanto se perder já aprenderam a se encontrar e gostam dessa sensação.
Sair de si mesmo, entrar um mundo desconhecido proposto pela egolatria de outro indivíduo, reconhecer-se em um ambiente hostil diferente do comum, ter que contar com a própria experiência de mundo para compreendê-lo e ainda tentar chegar ao fim da aventura e dela tirar lições são atividades bastante dolorosas e complexas. Não se pode minimizar esse esforço, mas esclarecer que o trabalho doloroso também pode ser prazeroso e que o hábito da leitura nos prepara para a vida.
João Pedro Roriz é escritor, jornalista e arte-educador. Todos os direitos reservados ao autor.