Certa madrugada, o desejo de ser parte da boemia carioca me levou ao tradicional restaurante Jobi no Leblon. Lá, havia uma mulher alcoolizada, com maquilagem pesada e vestido decotado. Ela se intrometia nas conversas alheias, xingava os turistas, brigava com o garçom, não tinha ninguém para falar e falava sozinha:
– Estou viva! – exclamou. – Acabei de botar meu marido pra fora de casa. Isso nunca aconteceu antes, sabe – disse rindo.
Do riso, imediatamente, passou para o choro:
– Nunca mais vou poder ouvir “Rádio Blá”! Essa música... “Não dá pra planejar, eu ligo o rádio e blá blá”... Meu marido cantava para mim.
De tanto prestar atenção, ela acabou me notando:
– Você! Eu te conheço. Eu tenho o seu livro. Você é escritor! Eis o que não se vê todos os dias – disse, apresentando-me para uma platéia desinteressada, – um escritor!
Sorri tímido, agradeci a moça e busquei asilo político na livraria Letras e Expressões. O poeta Tavinho Paes estava lá e, em sua homenagem, os boêmios cantavam a sua melhor criação: “Rádio Blá”. Eu fui obrigado a escutar a canção pela segunda vez.
Quando o cansaço bateu, fui para a rua esperar pela condução que me levaria de volta para casa. Ao meu lado, um senhor também aguardava pacientemente.
Olhei em volta e vi a cidade vazia, a rua deserta, a chuva, o frio e a solidão. Uma van chegou e eu embarquei. O senhor que estava ao meu lado disse ao motorista:
– Estou desde meia-noite tentando pegar uma condução, pois perdi o meu dinheiro. O senhor pode me levar de graça?
O motorista lhe respondeu rispidamente:
– Pode entrar, mas saiba que eu não costumo fazer isso. Você acha que eu não estou sentindo o cheiro da cachaça?
Embarcamos. A van estava com o som ligado e Lobão cantava “Rádio Blá”. O senhor que embarcou comigo baixou a cabeça e, numa espécie de desafogo, chorou compulsivamente. Eu não podia lhe devolver a dignidade, mas podia chorar ao seu lado. Assim, choramos juntos!
Ele olhou para mim e disse:
– Eu conheço você. Eu tinha o seu livro... você é escritor!
– Sim. – respondi ainda entre lágrimas. – É a segunda vez que me reconhecem hoje e a terceira vez que escuto “Rádio Blá”.
– Não diga. – soluçou o homem. – Essa música me faz chorar. Eu costumava cantá-la para minha mulher.
João Pedro Roriz é escritor, ator e jornalista. Todos os direitos reservados.